3 de outubro de 2012

Bonequeiros unidos!

Nesta terça-feira (02/10) estive novamente na Caixa Cultural, em São Paulo, para um encontro informal com o bonequeiro tcheco Pavel Truhlar e mais dois bonequeiros brasileiros. Hoje dono de uma das lojas mais conhecidas de Praga, a Marionety, Pavel faz apresentações em locais públicos e privados, ministra workshops, participa de exposições e também cuida da loja. Atualmente quem faz os bonecos é seu irmão, a quem ensinou o ofício para poder tocar os negócios.
Também estiveram nesse encontro o mestre Danilo Cavalcanti, do grupo Mamulengo da Folia e o ator e bonequeiro Paulo Carvalho, da Companhia Stromboli.

Um pouco de história

Para esquentar a conversa, Pavel começou nos contando um pouco a história do teatro de bonecos em seu país, a Repúblia Tcheca. O início se deu na primeira metade do século XVII, por influência da Itália, França e Holanda. Grupos itinerantes eram responsáveis pelos espetáculos que ganharam notoriedade entre as classes mais pobres da Boêmia (não existia ainda nem a Tchecoslováquia como estado independente), que podiam assistir as peças com bonecos devido ao custo mais acessível do que os teatros convencionais, muito mais elitistas.
Foram justamente estas companhias as responsáveis por atualizar o "povão" daquilo que acontecia nos grandes centros. Elas fazim a ponte entre a nobreza das grandes cidades e os proletários do campo, levando notícias através de peças. Com o tempo o teatro de bonecos foi ganhando notoriedade e praticamente todas as famílias mais abastadas da região da Bohemia possuiam em suas casas teatros completos, utilizados inclusive para a educação de seus filhos.
Além do carater educativo, imputa-se ao teatro de bonecos a responsabilidade pela sobrevivência do idioma tcheco. Isso se deu principalmente pelo fato da região da Boêmia ter forte influência germânica, inclusive sendo o alemão a língua oficial. No entanto, quando faziam as apresentações os atores falavam a língua do povo, o tcheco. Por isso a importância histórica dessa atividade.
Com o tempo a profissão de "gravurista" (talvez haja um termo mais adequado, mas foi essa a palavra utilizada pelo tradutor tcheco) ganha extrema importância. Assim como a maioria dos ofícios das classes mais baixas, este também é passado de pai para filho. Os gravuristas faziam trabalhos nas igrejas e palácios, entalhando móveis, portas, janelas, paredes, e as vezes faziam bonecos. As companhias de teatro mais simples faziam seus próprios bonecos, já as mais abastadas contratavma gravuristas, assim como os nobres interessados em ter marionetes em casa.
No início do século XX o teatro de marionetes era extremamente popular, mas isso nào durou muito. Após a grande guerra, quando o país se tornou comunista, houve uma grande decadência na produção dos marionetes, com artistas queimando, quebrando e jogando fora seus bonecos, peças e teatros. O teatro, tanto na sua forma tradicional como de bonecos, atualizava o povo, falava a verdade, e com o novo regime foi vítima de censura. Alguns grupos e peças com temática soviética permaneceram. Foi o suficiente para manter viva a chama da arte.
Após a revolução de 89, com a queda do muro de Berlin e um simbólico fim do comunismo a arte renasce. O Leste europeu passa a conhecer o Oeste e vice-versa. Os ocidentais passam a se interessar pelos teatros de bonecos e os gravuristas, mais do que nunca, começam a fazer bonecos para decoração e souveniers.
A esta altura, e até hoje, esta é uma profissão extremamente reconhecida no país.

Os bonecos de Pavel

                                
Seus bonecos são todos feitos de madeira e as manoplas utilizadas para a movimentação são bem diferentes das que eu uso nos meus. O mecanismo que eu uso para a articulação e manejo dos bonecos é da escola alemã, que aprendi com minha mãe, que por sua vez aprendeu com sua irmã que trouxe a técnica da Alemanha. Pavel me disse que na República Tcheca eles usavam um sistema muito parecido até o início da década de 80 (sim, a influência alemã sempre foi muito grande naquele país), quando este foi sendo gradativamente substituido pelo atual. O pioneiro no modelo utilizado até hoje em Praga foi o professor Josef Skupa, e posteriormente Milos Kirchner, que veio a ser o diretor do teatro Spejbel a Hurvinek, nome dos personagens criados por Skupa. Quando vivo, Skupa chegou a ser preso pelos nazistas pelo seu trabalho "subversivo" e conseguiu escapar de um campo de concentração em Dresden, que estava sendo bombardeado pelas forças aliadas em 1945. Depois da fuga Skupa montou o novo teatro, Spajble a Hurvinek. No vídeo abaixo você poderá ver uma versão moderna dos famosos personagens de Skupa.

                                  
A história de Skupa me fez pensar um pouco no que Pavel me disse durante o encontro de bonequeiros, sobre a forte crítica social de algumas peças de teatro e do teatro de bonecos - "Todo mundo erra, então material para crítica social tem bastante". Isso foi quando ele foi perguntado sobre o processo criativo para a montagem das peças e dos bonecos. Parece incrível para quem não conhece Praga, a República Tcheca ou os tchecos que naquele país frio e distante haja tanta brincadeira e alegria! Sim, a alegria não é um produto exclusivo dos brasileiros, ou dos países de língua latina. Não  pode ser a toa que Praga tenha se tornado a capital mundial dos bonecos!








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