1 de outubro de 2012

A arte em estado de iminência

A Bienal de Artes de São Paulo é sempre um evento à parte. Graças ao que, na minha opinião, existe de mais sagrado no mundo das artes - a liberdade de expressão - continua sendo plural, intensa e pouco óbvia. Em sua trigésima edição, vale ressaltar a ótima proposição do tema, de uma arte em estado de iminência. É, segundo os organizadores, uma arte que acontece de novo a cada vez; que se renova sempre; que transcende intenções e programas; são obras e autores vinculadas e desvinculadas incessantemente a outras obras e outros autores, clássicos ou não. São obras em estado de espera. Pude perceber que os organizadores e a curadoria fizeram um ótimo trabalho, apresentando peças incríveis ao lado daquelas que levantam diversos questionamentos, como sempre.

Eu, particularmente, já desisti de ir a Bienal para ver tudo de uma só vez. Prefiro as doses homeopáticas - vou ao menos duas vezes - para aproveitar tudo que eu quero, pelo menos quando o evento é gratuito. Em cada visita vejo apenas a metade das obras, ou 2 dos 4 andares, com a atenção que eu acho que merecem - parando e lendo tudo que eu gosto, do começo ao fim. Quando eu canso vou-me embora para voltar outra vez e terminar, caso haja o interesse. Assim consigo me divertir ao invés de me obrigar a ver tudo de uma só vez, o que certamente transformaria a visita numa experiência autoflagelante. Todo mundo sabe chegar no Ibirapuera, ele fica numa região bem central e de fácil acesso. Por isso não é nenhum absurdo o que estou falando.

Do que eu vi nessa primeira visita vou destacar algumas peças que me chamaram atenção, e que por si só já valeriam uma visita ao pavilhão. Lembremos sempre que embora pouco conhecidos do grande público, alguns dos expositores são artistas de canxa, de muita estrada, e as obras apresentadas não são exatamente novidade, e sim instalações, peças ou performances consagradas. O que de forma nenhuma tira o mérito ou a justificativa de sua presença, muito pelo contrário, ressaltam o bom trabalho da curadoria, principalmente quando associados ao tema proposto. Vale a pena conferir, e não é só porque é de graça!

Alberto Casari na produção da obra "Esta indescritível sensação marinha"
 É o caso por exemplo da instalação do PPPP (Productos Peruanos Para Pensar), um coletivo peruano formado por um homem só, Alberto Casari. Seus alter egos – o escritor e poeta visual Alfredo Covarrubias, os pintores Arturo Kobayashi e El Místico e o crítico de arte Patrick Van Hoste – produzem materiais assinados pela logomarca da empresa. Na instalação intitulada: "Esta indescritível sensação marinha", sete telas em branco são dispostas uma ao lado da outra. Os materiais utilizados para a pintura? Água do mar sobre tela. Numa tentativa de atingir uma arte "realista" e questionar o que o termo poderia significar (o que pode representar melhor o mar do que uma tela banhada com suas águas?), a sala dedicada ao PPPP apresenta ainda outras peças que completam seu raciocínio. Uma série de 7 caixas para o transporte de obras de arte vazias, bem como outras 7 telas explicando como foi o processo de montagem e a ideia do coletivo. Na parede a inscrição: "Se são artes visuais, porque os artistas fazem coisas que nos obrigam a ficar lendo?".

Jiří em performance nas ruas
Outro artista que fiquei muito feliz em ver na Bienal foi o tcheco Jiří Kovanda, que desde a década de 70 vem produzindo um exame sobre a vida cotidiana e sua normatização. Sua obra trata das relações interpessoais - é efêmera, humorada e pode ser tão sutil que passa despercebida pelo transeunte. Na  minha opinião as suas experiências mais interesantes, apresentadas na Bienal deste ano, foram: Numa escada rolante o artista ficou parado em um degrau de frente para as pessoas atras dele, encarando-as olhos nos olhos; Ao transitar pela rua Kovanda esbarrava propositalmente nas pessoas; Em um ambiente fechado e com grande circulação de pessoas Jiří atravessou a sala se esgueirando pelas paredes; Recolhia o lixo das ruas, como bitucas de cigarro, com as próprias mãos e depois jogar tudo no chão novamente. 

Vá a Bienal e veja as peças, depois volte aqui e deixe seu comentário!

Colagem de Ilene Segalove exposta na 30a Bienal
Uma novidade para mim foi conhecer a artista norte-americana Ilene Segalove. Gostei particularmente do seu humor seco, da ironia em suas obras e é claro, da crítica social. A artista produz colagens e fotomontagens, questionando o potencial das artes para mudança social e seu papel como entretenimento sofisticado. Nos últimos anos, produziu trabalhos que destacam histórias de vida das mulheres. 

O Taiwanês Tehching Hsieh bate ponto em performance



















E por fim, para não me extender muito, vou citar apenas mais um artista de destaque, o Taiwanês radicado em Nova Iorque, Tehching Hsieh. Suas peças intituladas One Year Performance, produzidas a partir do final da década de 70/começo de 80, dão o que falar. Na primeira delas o artista permaneceu trancado em uma cela dentro do seu estúdio por um ano. Em outras experiências ficou um ano amarrado a uma mulher, sem poder tocá-la; um ano sem poder acessar ambientes cobertos e assim por diante. Na imagem você vê o artista na performance em que durante um ano batia ponto, com foto de hora em hora.



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